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Douglas Tolentino

Douglas Tolentino, 44 anos
Apaixonado pela sua família, por música, cinema e leitura.
Músico e compositor.

Diário póstumo

Diário póstumo

Foi no final de uma tarde, acho que era isso mesmo, era sexta-feira. Toda Lisboa parecia estar voltando pra casa,  eu estava em Massamá, próximo a estação de comboios, eu sabia que ela iria se atrasar , o que eu não sabia é que não voltaria pra casa naquela noite. Bel, era como eu a chamava, apesar de seu nome de batismo ser Isabel de Castilla, mas ela gosta assim. Meus joelhos doem e a impaciência me deixando de mau humor, já se passaram vinte minutos do horário que marcamos e nenhum sinal dela. De repente, posso vê-la na saída da estação, entre tantos no terminal ela se destaca. Tem os cabelos  longos e encaracolados, usa saia vermelha e uma camiseta amarela com estampa de flores, traz consigo uma bolsa a tiracolo e os seus lábios estão bem definidos em um vermelho rubi. Ela caminha como que desfilando é algo hipnotizante e me faz esquecer completamente seu atraso, ela sorri e me beija na face esquerda.

– Querido! Sinto muitíssimo, me perdoe, esqueci completamente a hora. Perdón por la demora.  Ela diz em espanhol com aquele sotaque encantador.

– Sem problema, acontece Bel, vamos?

Seguimos lado a lado em direção a Quinta das flores, um lindo parque que fica ali próximo a Junta de Freguesia. Enquanto caminhamos seu perfume adocicado me envolve de uma tal maneira algo realmente sedutor, meu pensamento voa longe é volto quando ela diz:

– Sabia que Massamá vem de uma palavra árabe, Mactamá.

– Sério? Não sabia.

– Devias ler mais meu querido, a leitura nos leva de volta ao passado ou simplesmente é ter um deslumbre do futuro. Ela diz e em seguida toca com o dedo indicador sobre a minha testa.

– Chegamos, que tal aquele banco? Indico um lugar abaixo de uma das árvores.

Ela continua me dizendo que há muitos rios e várias nascentes sobre toda a região de Sintra, cidade próxima de Lisboa, e que a estórias muito antigas que contam que algumas dessas fontes são cheia de propriedades peculiares devido a alta qualidade da sua água.  Muitos viajantes no passado, muçulmanos e árabes, seguindo para o centro da Europa ou mesmo ao norte da África repousavam por aqui e talvez por ter a água em abundancia sentiam-se revigorados.  O vento nesse momento invade todo o parque, oque afasta seu cabelo e revela uma pequena tatuagem em lua crescente abaixo da sua orelha esquerda, ela é linda e de uma delicadeza impressionante. Ao nos sentarmos ela aproxima-se e levemente toca seus lábios aos meus. O beijo é molhado e posso sentir lentamente a ponta da sua língua a tocar o céu da minha boca, e deslisar até a parte interna dos meus dentes. Ela em seguida se afasta e com as minhas mãos na sua olhando nos meus olhos diz:

– Querido, tenho estado muito contigo e isso me agrada e gostaria que conhecesse meu pai e minha mãe, eles ca estão e seria uma ótima oportunidade, eles temem que eu esteja solteira.

Ela ri dessa última palavra o que faz com que eleve a cabeça pra traz. Digo que não a problema é que será um prazer conhece-los. Logo me abraça e agradece repousando sua cabeça no meu peito. Ficamos assim durantes algum tempo, os dois ali abraçados enquanto o parque começava a ficar vazio.

– Que tal um pouco de água da fonte? Ela abra a bolsa e retira uma garrafa vazia.

– Da fonte?

– Sim, por que não? Vamos purificar seu corpo e alma, olha além, tem uma fonte.

Posso ver realmente uma pequena fonte em pedra a direita, quase próximo a estufa do parque. Durante alguns segundos posso vê-la se inclinar para encher a garrafa, ela retorna e  vejo que está completamente cheia. Pergunto se não está com cede e ela diz que essa água é  para mim e vou me sentir ótimo.

– Ok, saúde! Viro a garrafa e bebo quase todo seu conteúdo.

Já é noite e decidimos ir ao seu apartamento, seguimos de comboio e duas estações depois desembarcamos na Amadora, bem ali pertinho da Babilônia. Logo acima do bar 100 Montanditos, muito conhecido de imigrantes angolanos, brasileiros e cabo-verdianos. Fica localizado enfrente a praça, e a um prédio com vários apartamentos onde ela alugou um T2. Chegamos, ela abre a porta e logo na entrada a um enorme espelho na parede que da uma enganosa sensação de espaço, o apartamento é mobiliado e bem aconchegante, a um lindo vaso em argila com um belíssima flor com flores roxas em cacho e um caule verde bem delicado, a uma placa pequena em papelão eu posso ler , casco del diablo.

A um grande quadro na parede da sala, a moldura está bem gasta, nota-se que é bem antigo. É de uma mulher com asas, algo como uma fada com belas curvas, bem sensual, tem os cabelos negros como a noite , e segura na mão um coração em pedaços, pintado de um vermelho sangue que me impressiona:

– Vinho querido? Ela me pergunta la da cozinha.

– Sim, claro, tinto por favor. Onde conseguiu esse quadro?

– Ah…. esse quadro é belíssimo, não é? O que poderia ser mais perfeito e belo do que uma fada da noite?

– Mas ela está segurando um coração em pedaços, é isso mesmo?

– Sim, o coração é de seu amante, ou era como pode ver. Acredito que seja uma representação feminina de um rompimento de todo esse patriarcado que vivemos na sociedade.

No quadro ainda posso ver uma distante caravana pintada ao fundo e a um grande conjunto de montanhas, no canto inferior esquerdo a assinatura do pintor L. Molay. Bel então aprece com as taças de vinho e no momento do brinde  ela diz:

– Não ponhas a taça na mesa até beber um pouco, é uma falta de respeito brindar e não provar, saúde querido!

Sua taça toca na minha e bebemos os dois. Ela me conta que está em Lisboa a mais três anos estudando e que devido a alta nos valores de arrendamento, está sempre de mudança. Almada, Carcavelos, Campo Pequeno entre outros foram alguns dos lugares por onde passou.

Ainda na sala depois de duas garrafas de tinto nossos beijos se tornam mais longos e quando percebo ela está sobre as minhas pernas. Beijo-a e posso sentir o gosto do tinto na sua saliva, na sua língua quente que percorre o céu da minha boca. Com o braço envolta da sua cintura lentamente retiro sua camiseta, o seios estão nus e firmes. Como que seguindo um caminho beijo seu pescoço até os seios buscando me saciar no bico rígido do seu peito. Enquanto acaricio suas costas com as mãos, posso sentir os músculos e uma grande marca na pela:

– Não se preocupe querido, é apenas uma cicatriz. Ela me diz como um sussurro no meu ouvido.

Ela se levanta fica de costas retira a calcinha ficando somente a saia. Com um olhar de desejo e sobre o sofá ela me beija com força e morde violentamente meu lábio superior, posso sentir o sangue no canto da boca. Ela como que saboreando lambe os próprios lábios e pede que eu tire a calça. Ela se senta lentamente e antes da penetração me olha nos olhos e diz:

– Entonces seremos uno, por ahora.

Seus cabelos estão sobre o meu rosto e a uma luz, um brilho nos seus olhos. Gozamos rápido, juntos, ela se joga pra traz como quem busca extrair todo o prazer desse momento até a ultima centelha, depois cai sobre meu corpo e me abraça forte. Ficamos assim por uns minutos então me beija e se levanta:

– Meus pais já estão pra chegar, tomemos um banho, venha. Ela pega minha mão e me conduz a casa de banho.

– Quero que fiques a vontade e  não te preocupes, eles são muito amáveis.

Ela ainda me beija durante o banho e enquanto passo o gel pelo seu corpo vejo as duas cicatrizes nas costas, são como tatuagens. Ela se retira da banheira e me passa uma toalha.

– Não te demoras querido.

Nesse momento enquanto fecha a porta a campainha toca.

Posso escuta-los da casa de banho, são seus pais. Assim que chego a sala:

– Boa noite senhor, é um prazer conhece-lo!

– O prazer é nosso, Izabel falou muito bem de você, és um belo rapaz! O pai dela diz enquanto apertamos as mãos.

– Não lhe dê atenção, venha cá e me dê um abraço querido! A mãe insiste e me abraça calorosamente.

Bel está na cozinha a preparar o jantar enquanto ficamos os três ali na sala.

– Izabel disse que se conheceram na faculdade é isso mesmo?

– Sim senhora, estudo Psicologia a dois anos.

– Posso notar pelo escapulário de Nossa Senhora que es devoto?

– A sim, ela me guarda dos males e ilumina meu caminho.

– Deixe ver sua mão, posso?

– A senhora faz algum tipo de leitura é isso? Vou avisando que não me impressiono com esse tipo de coisa.

–  É tipo dos critãos, ignoram aquilo que é as vezes é claro como as linhas da sua mão. O pai dela rispido diz enquanto vai a cozinha.

A mãe de Bel pega minha mão esquerda e delicamente com os dedos indicador e médio percorre a linha que ela chama de linha da vida.

– Posso ver que a na linha da vida a uma interrupção repentina, quase que não se nota, mas está lá. Es um homem de coração puro, mas a vida para estes é dura.

– Nossa! Serio que tem tudo isso aí? Indago.

Antes que ela posso acrescentar qualquer coisa Bel e o pai adentram a sala com vinho, alguns pratos e talheres. A mesa pronta, e o prato principal é galo do campo. Mas antes Bel volta a cozinha e ao retornar tem nas mãos uma bandeja com quatro calices.

– Antes, quero dedicar esse brinde a presença de todos vocês, meus pais queridos e meu amado, que cruzou meu caminho nessas terras lusitãnas, vida longa, saúde!!!

Viro o cálice de uma vez e o gosto é doce como um Moscatel e no fim amargo como um Campari.

– Bel não conheço essa bebida, o que é?

– É uma receita de família, tem um pouco de mangericão, nós moscada, vinho tinto, aguardente do bagaço da uva, e digamos assim, um toque especial.

Ela sorri e me beija na face esquerda, enquanto os pais estão a encher as taças com vinho tinto.

É nesse momento que minha cabeça fica confusa, as luzes da sala parecem mudar de cor, a uma névoa fraca sobre meus olhos e posso ver o pai de Bel como uma sombra negra e maior do que aparente ser, ele se levanta e fecha as cortinas, enquanto perco minhas forças e caio sobre a mesa.

Não sei por quanto tempo fiquei desacordado, meus olhos doem, minha lingua está dormente e não tenho forças pra me levantar, não sinto meus membros, braços ou pernas, estou paralisado,  só percebo que estou sobre a mesa na sala de jantar porque vejo de soslaio o quadro da fada na parede.

– Ahora tu cuerpo es mío y tu corazón puro me pertenece, en tu sangre saciaré mi sed de vida.

Ela diz essas palavras como que uma oração e com uma pequena faca penetra suavemente na minha gargante, um pequeno corte do lado direito. Posso ouvir a mãe dizer:

– Beber el primer hilo de sangre es la eternidad que buscas y serás como nosotros.

Então o que era uma mulher doce e angelical transforma-se em algo inimaginável. Ela deita-se sobre o meu corpo, está somente de saia e como um animal lambe meu pescoço com força e com a boca sobre o corte feito, chupa desesperadamente o sangue que sai.

– No bebes todo, él necesita estar vivo para darnos su corazón. Ouço o pai dizer com certo prazer na voz e a lamber o lábios como uma animal a esperar a sua presa.

Meus olhos estão fixos nos dela enquanto se levanta. Vejo um rio vermelho a correr pelo canto esquerdo da sua boca. Ela me olha, passa a língua sobre os lábios, e com  a faca ainda na mão acerta meu peito esquerdo com força. Não grito, a dor é insuportável, lágrimas escorrem de ambos os olhos. O demônio percebe e para o corte. Volta-se pra mim e me beija com ternura, lambe as lágrimas do meu rosto e num golpe rápido com a mão direita arranca meu coração. Ainda não estou morto, ela não me da esse direito, quanto tempo ainda posso viver até o cérebro perceber? Posso vê-la belíssima, sobre o meu corpo, o sangue a correr por entre os seios em um vermelho vivo e quente, e tem meu coração nas mãos. Ela ergue o braço como que fazendo uma oferenda e em seguida arranca violetamente um pedaço do músculo. Atira o restante em direção aos pais. Foi nesse momento que eu morri.

Obrigado mais uma vez a você que leu e acompanha nossa coluna aqui no Barreironline.

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E lembre-se, use máscara, proteja-se!

Texto: Douglas Tolentino
Foto: Douglas Tolentino, Tarde em Lisboa, 2019.

 

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